Vivemos tempos de progresso acelerado, mas também de um adoecimento psíquico que cresce como uma sombra sem fim, em meio à aparente prosperidade. Nunca fomos tão conectados, mas nunca estivemos tão solitários. Nunca tivemos acesso a tantos recursos, mas, paradoxalmente, nunca nos sentimos tão sobrecarregados. O que está acontecendo com a saúde mental da nossa geração? Essa pergunta não encontra respostas simples, mas nos convida a olhar para o nosso tempo com as lentes da história, da ciência e da cultura.
Através de Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, podemos refletir que talvez a verdadeira crise de nosso tempo seja uma “crise de sentido”: um vazio existencial que o excesso de estímulos não preenche, mas agrava. Vivemos, como nunca, a tensão entre a superficialidade e a profundidade; entre a pressa do progresso e a pausa necessária para nos escutarmos. Estamos realmente vivendo… ou apenas correndo, como autômatos, em busca de algo que sequer sabemos nomear?
No passado, as comunidades eram redes intrincadas de apoio social. As pessoas viviam próximas, partilhavam responsabilidades e, mesmo em meio às adversidades, contavam umas com as outras. O avanço tecnológico e a urbanização, por outro lado, criaram um mundo de oportunidades, mas também fragmentaram essas redes. Estamos rodeados de milhares de pessoas — nas cidades e nas redes sociais —, mas há uma solidão disfarçada. A “sociedade líquida”, como descreve Zygmunt Bauman, desatou os laços que antes nos uniam, deixando-nos expostos e sozinhos diante das nossas fragilidades e medos cotidianos.
Outro fator importante é a velocidade da vida contemporânea. A Revolução Industrial e, mais recentemente, a Revolução Digital transformaram o tempo em mercadoria. Estamos sempre correndo: para o trabalho, para os compromissos, para os ideais inatingíveis que nos são vendidos todos os dias. O filósofo Byung-Chul Han chama isso de “sociedade do cansaço”, na qual o sujeito é explorador de si mesmo, empurrado ao limite por uma cultura que glorifica a produtividade e minimiza o descanso. O resultado? Ansiedade, depressão e um número crescente de diagnósticos de burnout.
Mas a culpa não é apenas da sociedade. Há também uma questão de biologia. Nosso cérebro, desenhado ao longo de milhares de anos de evolução para sobreviver em ambientes de ameaça física, agora precisa lidar com perigos psicológicos mais sutis: a pressão por performance, o medo do fracasso, a comparação constante nas redes sociais. Esse descompasso cria um estado de alerta crônico, inundando nosso organismo com cortisol — o hormônio do estresse —, e nos predispondo ao adoecimento.
A saúde mental também não escapa às influências culturais. Vivemos a cultura do “dar conta de tudo”, que muitas vezes silencia o sofrimento. Expressar vulnerabilidade ainda é visto como fraqueza, e pedir ajuda, como um sinal de derrota. Isso nos afasta de tratamentos e reforça o estigma em torno das doenças mentais. Em contraste, países que abraçam o diálogo sobre saúde mental, como a Noruega e a Dinamarca, têm índices mais baixos de adoecimento psíquico, provando que a maneira como encaramos o problema influencia diretamente as soluções que encontramos.
Apesar desse cenário desafiador, há esperança. O aumento nos índices de adoecimento psíquico também reflete, em parte, uma maior conscientização. Hoje, falamos mais sobre saúde mental do que nunca. Pessoas buscam ajuda, procuram psicólogos e psiquiatras, leem sobre o assunto. Estamos, aos poucos, desmistificando a ideia de que a mente adoece por fraqueza. É um avanço que merece ser celebrado.
Por fim, é fundamental reconhecer que o adoecimento psíquico não é culpa do indivíduo, mas um sintoma de uma sociedade profundamente adoecida. Devemos redescobrir o valor do encontro, do silêncio, do ócio e da pausa, sem culpa. Vivemos presos a valores que glorificam a produtividade em detrimento do bem-estar. Estamos em um labirinto de demandas e excessos, sem sequer perceber que nos perdemos ali. Mas é na consciência desse labirinto que começa o caminho para encontrarmos a saída.
César Santiago é médico psiquiatra e professor universitário.